terça-feira, junho 23, 2020

Não, não é uma "selfie"...



Vincent van Gogh, Autorretrato, 1889


No final de um ano letivo tão estranho e exigente, corajosos alunos, inspirados pelo célebre texto poético  "Magro, de olhos azuis, carão moreno" , famoso autorretrato de Bocage, aceitaram o desafio que lhes foi lançado de arriscarem, eles próprios, criar o seu autorretrato. 

Sabiam bem que o exercício de mergulhar no espelho em que nos vemos e descobrir o que sentimos sobre nós próprios seria muito mais exigente e trabalhoso do que fazer uma "selfie"... 

Destemidos, mergulharam e os resultados falam por si...




Jovem, magra, de alta estatura,
muito desconfiada e impaciente,
o que não lhe falta é altura
nem a alegria que sempre sente.

De nariz médio e pele escura,
possui uns bons lábios carnudos,
dona de uma (mais ou menos) elegante figura,
olhos pequenos, amendoados e pestanudos.

Amedrontada, mas muito esperançosa,
é portadora de grande vaidade,
diferente, mas bastante feliz,
no fulgor da sua tenra idade.

                                                                                C. R.






Olhos amendoados,
Face comprida,
Com uma testa daquelas
Dava uma boa Mona Lisa.

Seja muito ou pouco,
Rápido ou lento,
Se tem um desafio,
Está preparado e atento.

Tenta ajudar,
Mesmo que não possa,
E às vezes
É capaz de deixar mossa.

Sair de casa
É um dilema.
Desfrutar no seu canto
É o seu lema.

Nem urso nem raposa,
Não quer conflito,
É astuto e audaz,
Discurso, até que é rico.

Gosta de festejar,
De aprender,
Mas só o faz
Se lhe apetecer.

                                             G. F.







Um cabelo cor de castanha
Altura média para a sua idade
Descrever-se-ia como estranha
Longe de qualquer formalidade

Olhar escuro e profundo
Que mil segredos guarda
Caminha no seu próprio mundo
Que aos outros não agrada

Sarcasmo é a sua companhia
Positividade não é uma opção
Mas com ou sem alegria
Sempre arranja uma solução

                                                          B. C







Eis um ser moreno,
um pouco magro,
e meio pequeno.

Tem rosto neutro e constante,
moldado pela dor.
Nele, um olhar incessante
de rancoroso amor.

O seu sorriso, peculiar e latente,
quando surge
não mente.

É um ser cheio de curiosidade,
de conhecimento sempre sedento.
É sagaz e meticuloso,
mas, por vezes, muito presunçoso.

Tal como uma ostra,
o ser não se demonstra,
pois quando se revelou,
o mundo não o aceitou.

Este ser alternativo,
que já sofreu
por ser emotivo,
sou eu.

                                                         L. M.








De olhos castanhos, cabelo escuro de verdade,
Aquela que os outros veem pequena e adorável
Tem no sorriso a sua autenticidade.

Por vezes frágil, precipitada até,
Desafia-se a si mesma e aos outros,
Sempre com a sua teimosia
Fazendo dela uma verdadeira fé.

Pessimista para a sua idade,
Pensar demais é um problema,
Família, amigos, paixões,
O ponto fraco para a vulnerabilidade.

Talvez de autoconfiança necessite,
Talvez persista em demasia,
Cheia de imensa compaixão e empatia,
Será esta uma mais-valia?

                                                                               L. O.







Altura normal,
Olhar distraído,
Olhos de um castanho florestal
E sorriso destemido.

Nariz pequeno,
Mostrando simplicidade,
Pouca vaidade,
Sem mostrar a alguém
Que é mais que ninguém.

Leveza no andar,
Sem a cabeça no lugar,
Sempre sonhador,
Até no dia mais cinzento
Em que infeliz possa estar.

Sozinho ou acompanhado
Não gosta de ser descartado.

Olhando para si, nada a temer,
Até quando o conhecer,
Encantado
Ou do lado errado.

                                                       A. C.







Alto, magro e bonito
Irrequieto, falador e agitado,
Deixo tudo à minha volta aflito
Pois nunca estou sossegado

Incapaz de medir o que digo
Os meus amigos acham-me graça
Sai muito disparate sem sentido
De cada vez que digo uma chalaça

Para ter direito no computador a jogar
Sou um escravo, faço tarefas mil
Estou sempre a limpar e a aspirar

Sou explorado, é trabalho infantil
A minha mãe está sempre a abusar
Não me importo, pois no fundo sou gentil

                                                                                D. C.





quarta-feira, junho 17, 2020

Concerto Improvisado para uma Natureza Morta







Para homenagear as vítimas dos incêndios em Portugal, o «Requiem à Floresta Portuguesa», gravado em 2018, tem agora um vídeo, gravado no coração da tragédia. O projeto da compositora checa Martina Vídenová contou com a colaboração de elementos da Orquestra Sinfónica e do Coro da Casa da Música.

A cena passa-se no Pinhal de Leiria, um ano depois dos grandes incêndios de Pedrógão Grande. No filme, a preto e branco, os troncos queimados ainda intactos servem de cenário a um concerto improvisado para uma natureza morta.

O Requiem é uma missa para os mortos, normalmente tocada num contexto de um funeral. Com esta forma, queria dizer que as florestas nativas portuguesas estão a morrer e não podemos ignorar isso. Depois da grande perda de vidas humanas em 2017, quis também dedicar a música às vítimas, para honrar a sua memória”, explica  Martina Vídenová.

Fonte: JN


quarta-feira, junho 10, 2020

«Camões e a Arte do Desconfinamento»


Camões na prisão de Goa
[pintura anónima de 1556]

O Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas 2020, o Cardeal D. José Tolentino de Mendonça, proferiu hoje, dia 10 de junho, um discurso a todos os níveis memorável.


Com a devida vénia, transcrevemos aqui um belíssimo excerto desse discurso brilhante e inspirador:


Camões e a arte do desconfinamento

"Pensemos no contributo de Camões. Camões não nos deu só o poema. Se quisermos ser precisos, Camões deixou-nos em herança a poesia. Se, à distância destes quase quinhentos anos, continuamos a evocar coletivamente o seu nome, não é apenas porque nos ofereceu, em concreto, o mais extraordinário mapa mental do Portugal do seu tempo, mas também porque iniciou um inteiro povo nessa inultrapassável ciência de navegação interior que é a poesia. A poesia é um guia náutico perpétuo; é um tratado de marinhagem para a experiência oceânica que fazemos da vida; é uma cosmografia da alma. Isso explica, por exemplo, que Os Lusíadas sejam, ao mesmo tempo, um livro que nos leva por mar até à Índia, mas que nos conduz por terra ainda mais longe: conduz-nos a nós próprios; conduz-nos, com uma lucidez veemente, a representações que nos definem como indivíduos e como nação; faz-nos aportar – e esse é o prodígio da grande literatura - àquela consciência última de nós mesmos, ao quinhão daquelas perguntas fundamentais de cujo confronto, um ser humano sobre a terra, não se pode isentar.

Se é verdade, como escreveu Wittgenstein, que «os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo», Camões desconfinou Portugal. A quem tivesse dúvidas sobre o papel central da cultura, das artes ou do pensamento na construção de um país bastaria recordar isso. Camões desconfinou Portugal no século XVI e continua a ser para a nossa época um preclaro mestre da arte do desconfinamento. Porque desconfinar não é simplesmente voltar a ocupar o espaço comunitário, mas é poder, sim, habitá-lo plenamente; poder modelá-lo de forma criativa, com forças e intensidades novas, como um exercício deliberado e comprometido de cidadania. Desconfinar é sentir-se protagonista e participante de um projeto mais amplo e em construção, que a todos diz respeito. É não conformar-se com os limites da linguagem, das ideias, dos modelos e do próprio tempo. Numa estação de tetos baixos, Camões é uma inspiração para ousar sonhos grandes. E isso é tanto mais decisivo numa época que não apenas nos confronta com múltiplas mudanças, mas sobretudo nos coloca no interior turbulento de uma mudança de época."

José Tolentino de Mendonça


domingo, junho 07, 2020

Olhos nos Olhos, em Tempo de Máscaras - II


Modigliani, Alice, 1918 [pormenor]

Quantas vezes já ouviste afirmar que os olhos são “a janela da alma” ou “o espelho da alma”, querendo com isto dizer que o nosso olhar comunica de forma muito poderosa, revelando as nossas emoções, o nosso estado de espírito, os nosso segredos, ou seja, o que verdadeiramente mora no interior de cada um de nós?


Ora, respondendo à nossa proposta de criação de uma história que narrasse a importância do primeiro encontro com os olhos de alguém [ver post anterior], surgiram textos espantosos e bem diferentes:



"Lá estávamos nós, mais duas almas perdidas, com os olhos escurecidos pelos nossos mundos de solidão…

Encontrámo-nos por acaso e, como as duas pedras pioneiras do fogo, fizemos faísca. Logo surgiu uma chama dentro de nós, que dava cor e luz aos nossos olhos e mundos feitos de negrume. Porém, enquanto a minha chama ia crescendo, a tua ia desvanecendo e os teus olhos ficando mais e mais escuros.

Foi naquela noite, quando a tua escuridão clareou tudo, que a minha chama sucumbiu à tempestade da tristeza e da mágoa e, separados, seguimos para os nossos novos mundos negros."

L. M.




"Ela, uma simples rapariga, baixa, de cabelo castanho-claro aos caracóis e olhos cor das folhas no outono, olhava para os olhos dele, azuis e verdes, com listras amarelas.

Ela via nos olhos dele o mar, já ele via nos olhos dela uma tarde nos montes do Alentejo. E talvez os dois imaginassem um futuro juntos, mas, na verdade, naquele momento, os dois só viam os pés enterrados na areia da praia e sentiam um vento que, talvez, a pouco e pouco, se tornasse aconchegante."

A. A.



"Naquela tarde de primavera, estava a andar num parque, perto de um rio, quando subitamente me deparei contigo. Estavas a ler um livro e fingiste não me ver, mas, quando me alvejaste com teus olhos cor de mel, o tempo parecia ter congelado, e dei por mim perdido no teu olhar profundo, suave e tentador, que despertou de volta o amor que eu pensara já ter enterrado.

Hoje, ainda sonho contigo e com o teu olhar, o olhar que me inspira todos os dias."

R. C. 



"Já tinham olhado um para o outro. Ele já tinha reparado nos olhos azuis dela e ela já tinha reparado nos olhos cor de avelã dele. Agora, faziam de tudo para evitar olharem um para o outro, mas não conseguiam parar de observar a beleza de um e de outro.

Passara meia hora de troca de olhares e sorrisos corados, até que ela se levantou, disse adeus à senhora do balcão e se dirigiu para a saída. O sino tocou mostrando que a porta se abrira e, de repente, ele pôs-se à frente da porta. Gaguejou, mas faltou-lhe coragem e acabou por dizer: “Senhoras primeiro”..."

J. M.



"Era uma tarde de verão como todas as outras. Sol a brilhar, pássaros a cantar, para à noite vir um luminoso e lindo luar. 

Estava a passear quando passei pelo café e vi uma rapariga sentada. Tinha longos cabelos loiros e um vestido amarelo a condizer. Era um pouco mais baixa do que eu e mais bonita também. O que captou, porém, a minha atenção foram os seus olhos. Eram uns olhos simpáticos e sonhadores, cor de avelã. Lembravam-me folhas do outono, grandes e brilhantes, salpicadas de orvalho. Mas como uma folha de outono voa, também ela voou para longe, sem deixar rasto."

G. F



"Era sábado, as malas estavam prontas e aquele era o dia em que finalmente ia conhecer o meu primo que já tinha 2 anos e eu ainda só tinha visto por telemóvel. Como vivemos em cidades diferentes, tivemos que ir até lá. Demorou um pouco, mas por fim chegámos onde desejávamos. 

Estavam todos à nossa espera, mas quando cheguei só pude ver o seu cabelo loiro escuro e os seus olhos. Estes eram simples, comuns, castanhos, nem muito claros nem muito escuros, mas ao mesmo tempo eram tão diferentes, tão especiais e hipnotizantes que ninguém conseguia desviar o olhar."

E. A.



"Era uma tarde normal quando a vi e o meu coração parou: ela tinha o cabelo loiro e curto, umas bochechas fofas e uns olhos azuis, como um mar infinito e divino onde eu gostaria de velejar. Não parei de olhar para os seus olhos, queria parar para não parecer estranho, mas a minha paixão impediu-me de desviar o olhar. Queria falar com ela para poder contemplá-la por mais tempo, porém, por causa da minha timidez, não avancei e nunca mais a vi."

G. C. 



MUITOS PARABÉNS A TODOS!




quinta-feira, junho 04, 2020

Olhos nos Olhos, em Tempo de Máscaras



Modigliani, Alice, 1918 [pormenor]

Quantas vezes já ouviste afirmar que os olhos são “a janela da alma” ou “o espelho da alma”, querendo com isto dizer que o nosso olhar comunica de forma muito poderosa, revelando as nossas emoções, o nosso estado de espírito, os nosso segredos, ou seja, o que verdadeiramente mora no interior de cada um de nós?


Imagina, agora, que te pediam que criasses uma história, com 80 a 100 palavras, na qual narrasses o primeiro encontro com alguém de cujos olhos gostes muito...



A Eduarda, destemida, contou-nos uma história deliciosa:


Ele andava sempre a observar-me, eu sentia... Ignorei. 

Semanas, meses passavam, e todos os dias sentia aqueles olhos presos em mim,  não sendo eu a única a reparar. Lembro-me de me dizerem para fazer alguma coisa, que aquilo já se tornara assustador. Mas, com o passar do tempo, fui-me habituando e, sinceramente, até gostava daquela pequena atenção.

Um dia, no entanto, decidi que bastava e olhei-o nos olhos. Duas safiras brilhantes fitavam-me. Perdi a noção do tempo e desviei o olhar por um segundo. Quando me voltei, ele tinha desaparecido. 

Não me lembro de mais nada desse dia...



A Lara, por sua vez, encantou-nos com esta maravilha:


Estávamos numa noite quente de verão quando, pela primeira vez, me deparei com o teu olhar e tudo parou. Talvez me tenha perdido nele, porém acho que só nele me encontrei. Entreguei-me ao teu intenso azul, nos olhos de cristal tímido, por segundos, supostamente. No entanto, bastou desviar o olhar e, como uma brisa, desapareceste. 

Só sei que me sentia segura, que me sentia eu. Via o melhor de mim refletido na imensidão do teu azul. Passaram anos e, até hoje, nunca me esqueci daqueles olhos azuis.



 E o David, muito corajoso, surpreendeu-nos assim:


A minha bisavó, a Vovina, é uma força da Natureza. Viveu uma vida de sonho entre Coimbra, África e Alentejo. Dona duma loja de decoração, catequista, excelente cozinheira, sempre pronta a receber a família toda. Conduzia, nadava, cuidava da sua horta e ainda tinha tempo para ler!

Teve um linfoma ao qual milagrosamente sobreviveu! Depois foi para um Lar. Quando a visitávamos, confundia os nomes de todos, menos o meu! Tenho saudades dela, mas tenho a certeza de que no nosso primeiro encontro, após a pandemia, os seus olhos pequenos e sinceros vão brilhar ao reconhecer-me, dizendo: “O meu David!”.



O Santiago, com muita originalidade, escreveu:


Isto é estranho... Onde é que eu estou?! Como é que vim aqui parar?! 

É lindo: uma praia de águas cristalinas como diamante e areias finas e brancas. Grandes palmeiras com grandes folhas verdes e da areia começam a sair pequenos caranguejos vermelhos. De repente, torna-se noite, uma noite bem escura, e começo a ouvir uma voz longínqua que diz: “Estás bem?!”.


De um momento para o outro, encontro-me num “shopping” com uma rapariga desconhecida mas muito bonita, que me olha fixamente com os seus lindos olhos sorridentes e me diz que paralisei durante uns segundos quando começámos a conversar...



Agora, partilha connosco uma história criada por ti!


Já sabes que a deves enviar para:         


 beicastro@aecoimbraoeste.pt


Ficamos à espera do teu texto...





segunda-feira, junho 01, 2020

«E tudo era possível...»






Assinalando, da forma possível, hoje, 1 de junho, o Dia Mundial da Criança, relembramos aqui a visita dos intrépidos alunos do 2.º ano da EB1 de Fala que, no dia 10 de março, a escassos dias do encerramento das escolas, cheios de curiosidade, perguntas e entusiasmo, nos visitaram, a fim de explorarem o espaço da Biblioteca, conhecerem os direitos e os deveres dos seus utilizadores, descobrindo todas as suas funcionalidades.

No final da sessão, em que até houve tempo para todos assistirmos a um pequeno filme de animação sobre o poder dos livros e a enorme importância da leitura, cada aluno escolheu e requisitou um livro para levar consigo. 

Este foi, sem dúvida, o momento alto da aventura…















Como dizia, inspiradamente, o colega Daniel Peixoto, antigo professor do Agrupamento e grande colaborador da Biblioteca, este foi “dia de sementeira”...